terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Ultima vez

Eu estava mais uma vez em uma festa com meus colegas, dessa vez na casa de Pedro. Tinha bebido um pouco, dancei, conversei curti... Resolvi ir embora quando deu meia-noite, mais ou menos. Quando eu estava de saída ela me perguntou:

_Alinne... Posso dormir na sua casa hoje?

Eu fiquei estática com o pedido. Fazia tempos que nós não nos falávamos direito. Não que eu a odiasse, ou vice e versa, muito pelo contrário. Apesar de termos terminado com um puta barraco no aniversário da Sandrinha, outra amiga nossa, nós conseguimos estabelecer uma relação menos tensa, por conta do nosso círculo social, mas evitávamos aproximarmo-nos de mais.

_É que eu não tenho lugar pra dormir hoje, quer dizer, eu até poderia ir pra casa, mas minha mãe brigou comigo e eu não queria me estressar de mais...
_Tudo bem... (Eu disse sem fazer cerimônia, mas tentando não imaginar coisas.)

Pegamos o ônibus e fomos juntas para São Cristóvão, onde eu moro. Entramos em casa, e eu aprontei a cama para ela e lhe dei uma toalha. Depois fui comer algo na cozinha. Após comer um sanduíche de frango e escovar meus dentes fui arrumar o sofá cama para mim, enquanto apanhava do lençol, que não ficava esticado de jeito maneira, uma voz por trás de mim  ecoou pelo cômodo silencioso.

_Eu não me importo de dormir na mesma cama que você. (Yasmim disse com uma voz  melodicamente sensual)

Eu a encarei com uma expressão, creio eu, estranha.

_Não me importo de dormir na sala. (Respondi friamente.)
_Desculpa... É que eu sinto que estou te incomodando. (Ela disse sentando-se fofamente no puf da sala.)

Yasmim era muito atraente, seu rosto arredondado e seus olhos de indiazinha eram um charme a parte. Seu corpo belo e seu jeito incrivelmente cativante. Ela me olhou com aqueles antigos olhos de ternura, o que me deixou, por segundos, trêmula.

_Não está incomodando... Eu queria ver um filme que eu tinha alugado. (Menti.)
_Que filme? (Ela perguntou imediatamente.)
_Aaaa... (Comecei a pensar desesperadamente em algum filme que eu tivesse em casa e que eu nunca tivesse  assistido com ela.) Imagine eu e você... (Disse sem lembrar nenhum filme melhor para usar de desculpa.)

Ela abriu um sorriso e me perguntou:

_Posso ver com você? Eu to para pegar esse filme na locadora há séculos, mas sabe como é né? Toda semana um lançamento novo...
_Claro. (Disse a contragosto.) Senta ai...

Ela nitidamente havia mentido quando disse que não tinha assistido ao filme. Ria antecipadamente às piadas e ficava eufórica antes das cenas mais clímax. Ela estava absurdamente atraente com aquele vestido preto, reparei em um momento de distração por suas curvas. Voltei a atenção para a TV.
Ela se insinuava e eu não dava bola, vendo que eu iria resistir ela se aproximava cada vez mais, eu já quase caindo do sofá tentando manter distância. Não que eu não quisesse me aproximar, ou não quisesse tê-la. A verdade é que eu já imaginava que aquilo tudo não passaria de mais uma noite de sexo, com um leve resquício de sentimento.
O filme acabou, quando eu estava tirando o DVD meus ouvidos escutaram:

_Imagine me and you… (Ela começou a cantar o tema do filme.)
_I do. (Devolvi)
_I think about you day and night...
_It's only right!
_To think about the girl you love
_And hold her tight? (Perguntei com nítido sarcasmo.)
_So happy together…
_Unfortunately the imaginary isn’t real (Terminei a cantoria à minha maneira.)

Ela ficou nitidamente frustrada. Deitei no sofá-cama e lhe desejei boa noite. Ela foi indo em direção do quarto, mas no meio do caminho resolveu perguntar:

_Não quer mesmo deitar na sua cama? Eu divido com você na boa... Se quiser.
_To bem aqui. (Respondi secamente tapando a cara com o edredom.)

“Ela desistiu” foi o que pensei. Apaguei. No meio da noite fui acordada pelo zunido de um mosquito. Quando abro os olhos vejo aquele lindo rosto repousado em meu seio, e suas delicadas mãos enlaçavam minha cintura.
Toquei em seus finos cabelos negros com delicadeza, sentindo seu perfume que exalava toda a pureza daquele gesto de sincera saudade. Fechei os olhos apreciando aquele momento de ternura e quando os abri me vi acuada por um par de jabuticabas cintilantes que me encaravam de um jeito sublime e sedutor. Tentei me desvencilhar de seu corpo, mas já era tarde. Ela puxou meu rosto de encontro ao seu. Delicada e deliciosamente tocou seus lábios nos meus.
Um beijo. Quase eterno beijo. Arranhões, puxões, carícias dos pés á cabeça. Paixão. Um beijo que se prolongava, mãos que deslizavam pelas curvas de nossos corpos, que agora eram um só. Uma sensação divina que durou pelo resto da madrugada.
Acordei ainda com a sensação de seu corpo sobre o meu... Só com a sensação. Ela já não estava mais junto de mim. Levantei-me e fui ao banheiro lavar o rosto para ver se tudo não havia passado de um sonho. Sequei o rosto na primeira toalha que vi. Senti o seu cheiro, havia sido a toalha que eu havia a emprestado. O seu perfume impregnou sob a pele do meu rosto.
No meu quarto a cama intacta, ela não parecia ter nem mesmo ficado mais de dois minutos no cômodo. Deve ter esperado eu cair no sono para deitar-se ao meu lado.
Na entrada a chave, devia ter sido jogada por debaixo da porta, descansava sozinha no chão de taco. Voltando para a sala vi o espelho do corredor com uma marca de batom, nitidamente feita pelos lábios de Yasmim. Olhei meu reflexo, meu rosto meio masculinizado pelo corte de cabelo, estava inchado de sono. Meus olhos vermelho, mas dessa vez de lacrimejar. Segurei o choro e fui pro quarto deitar em minha cama. Na mesa de cabeceira um guardanapo onde estava escrito:

“Sincera é a noite mais bela
Que exausta o corpo com o seu brilho
E acaba serena e silenciosa
Deixando em mim apenas a tristeza
Do fim da sensação maravilhosa
De estar debaixo das estrelas.”


E após pegar aquele papel, amassar e jogar fora... Após tirar do espelho aquela marca vermelho-rouge... Percebi que eu estava errada. Aquilo não foi só uma noite de sexo, foi uma última noite de amor.

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