domingo, 5 de dezembro de 2010

Na rua, na chuva, nós duas.

Olhei para o relógio. Estava atrasada. É incrível, eu tinha esperado por aquele dia fazia tempos e ainda sim não consegui não me atrasar. Fui andando até a Praça XV e corri para não perder a barca que já estava saindo. Não consegui chegar a tempo e tive de esperar a próxima. “Droga! Ela não vai me esperar”, pensei.
Era estranho, eu nunca tinha a beijado, mas parecia que quanto menos provável era ela me dar a honra de tocar seus lábios com os meus, mais eu ficava extasiada com a idéia. Ela era amiga de uma amiga minha, e desde que nos conhecemos em uma festa não esquecia seu rosto nem seu nome. Em meio ao tumulto de gente querendo ir para Niterói senti algo vibrar no bolso. No visor seu nome estampado: Líz.
Ela realmente era uma flor, assim como sugere o nome, seus cabelos encaracolados e tingidos de ruivo eram chamativos, mas seu rosto angelical e seus belos olhos castanho-mel eram o que realmente me chamavam atenção nela. Pra ressaltar seu charme ela usava um óculos, quadradinho e vermelho que, por conta da cor, acabava por combinar com suas madeixas.
Atendi extasiada de mais para não gaguejar:

_O-oi L-Líz
_Oi Luna! Cadê você?
_T-to nas b-barcas...
_Ta... A palestra já ta rolando, corre direto pra cá quando chegar em Niterói heim!
_Ta... (Eu disse meio mongol.)

Desligou. Meu coração estava na mão, queria logo atravessar a “poça” e ir ao seu encontro, por mais que não passasse de uma palestra chata de algum professor idiota da UFF. A barca chegou, enfim. Já estava pirando esperando a barca sem poder fumar, eu tinha entrado pra tentar pegar a barca anterior e agora não podia fumar! Odeio essas leis anti-fumo, quero minha ala de fumantes de volta!
A barca chegou. Entrei com dificuldades na embarcação e arrumei um lugar o mais próximo possível da saída. Foram 25 minutos de tortura esperando aquela desgraça atracar. Desci no centro de Niterói com tanta pressa que acabei até esquecendo do cigarro, fui correndo, literalmente, até o campus do Gragoatá, subi correndo pelo bloco C e achei a tal sala de palestras. Tinha muita gente saindo, fiquei estática por alguns minutos na esperança dela sair de lá também e de não precisar invadir a palestra com apenas 20 minutos para ela acabar. Porém vi vários rostos estranhos saírem da, aparentemente, tediosa palestra, mas nem sinal dela.
Eu fazia letras na UERJ e ela na UFF, não conhecia ninguém ali, exceto ela e a nossa amiga em comum, Ana. Criei coragem pra entrar na sala de cara dura, e qual não foi o meu nervosismo ao avistar aqueles lindos cabelos ruivos? Eu estava com o pé na porta, teria voltado se não fosse um cara no corredor estar olhando muito para mim, o que estava me deixando bastante incomodada. Entrei discretamente e sentei o mais próximo dela que consegui, entre nós havia um garoto desconhecido.
Mal sentei e ela olhou para mim com aqueles olhos magnânimos. Eu ficaria rubra se não fosse morena, senti minha pele arder de vergonha. Ela me sibilou um oi e voltou a prestar atenção na palestra. Já eu só prestava atenção nela.
Depois que a mesa foi aplaudida e ficou de pé para sair eu reparei que a palestra havia acabado. Levantei, e quase que automaticamente fui abraçada por aquela menina. Engraçado foi ao tentar cumprimentá-la com dois beijos, acabar dando um selinho sem querer. Fiquei morrendo de vergonha, ela pareceu não se importar nem um pouco, não me notava mesmo... Provavelmente não significou nada para ela. Tentei convencê-la a ir a um bar próximo para conversarmos, mas ela não deu muita trela, disse que tinha que correr pra casa, por causa do pai dela e me pediu mil desculpas. Ela me chamou para voltar pro rio com ela e pegar as barcas de novo, perguntei que ônibus ela pegaria chegando na Praça XV, ela disse:

_Eu volto com o 238.
_Aaaa é você agora ta morando no Grajaú né?
_É...
_O 238 também serve pra mim, me deixa na Lapa, pertinho da Glória. (Disse sugerindo que pegássemos o mesmo ônibus também)
_Então vamos juntas... (Ela disse com simplicidade, me fazendo sorrir.)

Fomos andando, chuviscava e nós conversávamos bobagens, ela me contava como o pai dela era chato, como estava indo a faculdade, eu era praticamente só ouvidos. Não andamos nem dois minutos e a chuva começou a apertar. Eu estava morrendo de frio.

_Será que a gente não pode esperar um pouco aqui? (Sugeri quando estávamos perto de um bar.)
_Se eu chegar muito tarde meu pai me mata. (Ela disse com pena da minha situação, eu estava tremendo.) Se quiser ficar tudo bem, mas eu vou...
_Não! Eu não sou de açúcar! (Falei tentando demonstrar ânimo, mas acho que com a minha tremedeira não consegui convencer.)

Continuamos andando, agora quase correndo para tentar fugir da chuva. Quando chegamos na altura do Plaza Shopping eu estava completamente encharcada e ela também. Eu soltei um espirro e me abriguei numa banca de jornal enquanto esperava o sinal de trânsito abrir para atravessarmos a rua. Foi quando lembrei do maço de cigarros no bolso, fui verificar, estava completamente molhado. Revoltada joguei o maço no chão. Ela viu e ficou constrangida.

_Putz! Desculpa te fazer enfrentar essa chuva!
_Aí cara! Eu gosto muito de você mesmo viu? Só tu pra me fazer enfrentar essa chuva! (Confessei na raiva.)

Ela ficou nitidamente rubra com o comentário, que só agora eu me tocava que tinha me entregado. O frio passou momentaneamente quando senti o calor da vergonha queimar minha face novamente. Ela pegou minha mão, ao ver o sinal abrir e fomos correndo de mãos dadas. Confesso que tinha esperanças de manter aquele contato mesmo após atravessarmos, mas ela soltou minha mão andando na frente. Depois olhou para trás me analisando dos pés á cabeça, por dois segundos pensei que ela estivesse me admirando.

_Desculpa, por minha culpa você ta toda molhada... (Pensei em outro sentido da frase, mas respondi como se nada pervertido tivesse passado pela minha mente.)
_Relaxa! Já tô na merda mesmo... Vou abraçar o capeta!

Eu disse e fui até ela fazendo os passos de “dançando na chuva” com direito a cantarolar e tudo, depois a abracei. Ela me olhou meio constrangida e depois me largou continuando a andar. Depois disso o silêncio meio que imperou entre nós duas. Chegamos nas barcas, como eu já estava meio desacreditada que algo pudesse rolar comprei um novo maço de cigarros com um ambulante e fumei antes de ir pras barcas, ela me esperou e conversou comigo enquanto eu aliviava a vontade acumulada.
Meu cigarro acabou bem na hora em que a barca chegou. Fomos entrando no meio da multidão, e achamos um lugar o mais longe possível da entrada e da janela, pois por ali entrava vento e água da chuva.
Fomos a viajem toda conversando, e estranhamente ela segurou minha mão algumas vezes, depois soltava e ficava quieta por um tempo. Por várias vezes aproximei de mais meu rosto do dela, queria tanto dar-lhe um beijo... Mas no meio de tanta gente eu jamais tentaria agarrá-la correndo o risco de tomar um fora. Ta bem, confesso que as pessoas ao redor eram o de menos, o que me fez deixar de tentar mesmo era o medo da rejeição dela.
Ter fixação por alguém é realmente trágico... Ao mesmo tempo que a coisa mais provável que você faça é tentar ganhar um, beijo ou um carinho daquela pessoa que possui sua mente e coração, a coisa menos provável é que você realmente faça algo para conseguir qualquer demonstração de afeto dessa pessoa.
Chegamos no rio e fomos pro Mergulhão, entramos no 238. O motorista e o trocador estavam do lado de fora, mas como eu paguei com bilhete único e ela com o rio card, naquelas maquininhas de pagamento de tarifa automático, nós entramos de uma vez e sentamos no meio do ônibus esperando sua partida.
Eu estava conversando com ela, mas de repente nossos olhares se grudaram. Nos calamos. Minha mão começou a suar, ela aproximou um pouco o rosto do meu e me deu um beijo na bochecha. Olhamos cada uma prum lado, mas nossos olhares teimaram em se conectar novamente. Fiquei sem jeito, mas aproximei meu rosto um pouco mais. Enfim tinha criado coragem para agir, mas nesse momento o motorista entrou e disse que o ônibus não sairia, pois estava quebrado e que teríamos que pegar o próximo que chegasse.

_Não se preocupem, podem ficar aqui dentro enquanto o outro não chega por causa da chuva... (Ele disse simpático e desceu novamente.)

Olhei para Líz. Ela estava um pouco corada. Dei uma espriguiçada e quando me toquei ela havia se aconchegado em meu ombro. Nossos rostos agora estavam muito mais próximos. Seus cabelos molhados escorriam pela minha camisa, sua testa encostou na minha e seus lábios carnudos e rosados estavam próximos de mais, irresistíveis. Nos aproximamos mais e sentimos os nossos lábios se tocarem timidamente. De leve ela mordeu meu lábio inferior, depois novamente tocou meus lábios com os seus. Ficamos por muito tempo saboreando uma os lábios da outra.
O motorista subiu novamente falando que o outro ônibus havia chegado. Ela pegou minha mão e me puxou pro outro carro. Chegamos lá, sentamos e nos encaramos timidamente.

_Você é muito fofa. (Ela falou apertando minha bochecha.)

Fomos o resto da viajem em silêncio, nossas bocas só se comunicaram em beijos tímidos e sinceros. Chegou o meu ponto e eu tinha que descer. Lhe disse “Até breve” e ia levantar quando ela me puxou de volta e me deu outro beijo.

_Te adoro.

Ela disse e eu desci sorridente. Cheguei em casa e não quis dormir. Não quis dormir, pois não queria acordar daquele sonho de jeito nenhum. Mas mesmo lutando contra o sono acabei apagando. Acordei de manhã e a primeira coisa que vi foi uma mensagem sua em meu celular.

“Depois do que houve ontem eu descobri o quanto eu gosto de chuva.”



2 comentários:

  1. Nossa, que interessante: eu não havia reparado que o trocadilho do Y se dava de forma tríplice, se complementando na imagem do seu perfil. Muito inteligente (:

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  2. eh...
    Foi difícil achar essa imagem, mas ficou perfeita! xD

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