sábado, 29 de setembro de 2012

Tragehistória

Fumando um cigarro,
bebendo Coca-cola.
A vida me oferece
menos que uma esmola

E mesmo sem ver graça
eu vou para a praça,
viro mais um copo
da minha desgraça.

Fumando e bebendo,
sorrindo e cantando.
Vou envelhecendo
ao som de um tango

Não quero fingir,
mas já não consigo.
Eu quero fugir
mas no fim eu fico

Queria sentir
o que é não sofrer,
mas ninguém consegue
enquanto viver.

Fumando e bebendo,
sorrindo e cantando.
Vou envelhecendo
ao som de um tango.

Já não sei correr,
mas não fico parada
e mesmo ao saber
caio em sua cilada.

A teia da vida
só acaba na morte.
Eu tento escapar
mesmo sem ter sorte

Fumando e bebendo,
sorrindo e cantando.
Vou envelhecendo
ao som de um tango.

domingo, 16 de setembro de 2012

Quem nunca vomitou corações?

"Eu sou feliz." Repetia isso feito um mantra todos os dias da minha vida, naquela época. Eu sabia que gostava da Lídia, ela era a mulher perfeita. Tínhamos uma casa, um carro clichê, dois filhos, um adotado e outro que eu mesma dei a luz, um gato e uma vida sexual maravilhosa. O sonho de qualquer mulher lésbica é ter a vida que eu tinha. Mas ainda assim eu precisava repetir aquele mantra todos os dias sem parar.
Todos aqueles anos perfeitos não surtiam o efeito de amenizar aquela dor no estômago que me incomodava constantemente. Não era cólica, nem azia, nem dor de barriga, nem ulcera... Era fome. Não fome de comida, mas fome daquilo que eu só tive numa época mais que perfeita que tinha se passado há muito tempo.
Eu estava no mercado, com o Guilherme e o Anselmo, meus dois meninos lindos. O Gui estava dentro do carrinho, pequenininho tinha um aninho, ele era mais calmo que muita criança por ai. Anselmo era maiorzinho e levado, tinha 6 anos e saia correndo pelo mercado e enchia o carrinho de guloseimas, que eu sempre tinha que tirar na hora de passar as as compras. A Lídia tava trabalhando e eu cuidando das crianças e da casa como o comum. Era estranho, apesar de eu ser a masculina, eu que acabava parindo, cuidando da casa... Era como se eu fosse a "mulher" da historia. "Eu sou feliz", nesse aspecto eu realmente era, não era ruim cumprir esse papel por que foi uma opção minha, não foi uma imposição do mundo. Era bom eu poder estar naquela posição porque eu planejei assim ao contrário de todo o mundo, que dizia que eu não podia cumprir esse papel.
Ia eu ali cumprindo minha rotina distraidamente, até que por algum alinhamento bizarro das estrelas, meu carrinho cruzou com outro, meus olhos foram surpreendidos com aquele mesmo olhar, que eu não via há tantos anos que nem lembro mais quando tinha sido a ultima vez. Meu estômago se revirou no exato momento. Vacilei um pouco e ela me sorriu constrangida com um leve pedido de desculpas.

_Perdão, meu bem. (Ela falou como se se desculpasse por algo mais do que aquela simples batida.)

Meus olhos se encheram e eu não saberia explicar o porquê. Não sei se era raiva, dor, saudade, alegria... Só sei que segurei cada lágrima friamente. E de forma quase rude, de tão embrutecida eu repliquei:

_Não foi nada.

Eu respondia de forma mentirosa. É caro que aquilo era muito mais do que  nada. Era tudo. Mas já havia se passado tempo, eu já vivia outro momento. Não podia simplesmente dar relevância há uma batida de carrinho no supermercado. Eu estava pronta para ignorá-la, Fingir que não havia reconhecido, fingir que aquilo não me afetou. Mas ela me surpreendeu indo com os olhos brilhando pegar o Gui no carrinho.

_Que lindo! Ele é a sua cara Duda! Qual o nome dele?
_Guilherme... (Eu soltei num suspiro pesado e sem graça. Era a minha confissão.)

Ela me olhou serena recuou um pouco e depois pediu com um sorriso terno:

_Posso pegar ele?

Eu assenti com a cabeça, ela cuidadosa pegou o menino que logo lhe sorriu.

_Se eu tivesse um filho, o nome dele seria Guilherme. (Ela disse encantada.)
_Eu sei, eu lembro.  (Eu disse sorrindo de nervoso e vergonha.)
_Mãaae! (Uma terceira voz entrou na conversa, era o Anselmo)
_Que foi filho? (Perguntei fazendo um carinho na cabeça do meu pequeno.)
_Pode levar Sucrilhos? (Ele perguntou fazendo carinha de pidão. Eu ri e acenei com a cabeça positivamente  para a alegria do meu filho que largou o pacote no carrinho e saiu correndo de novo.)
_Anselmo, não corre! (Eu chamei a atenção dele que rapidamente desacelerou sorrindo. Logo meus olhos voltaram a encarar aqueles cor de mel.)
_Nossa que lindos seus dois filhos! Tem só eles ou mais algum?
_Só eles. (Eu disse desviando daquele lindo olhar.)
_São maravilhosos... Eu sou louca pra ter uma menina.
_Ainda ta em tempo. (Eu falei sem pensar deixando-a rubra.)
_Será? (Ela me perguntou com aquela velha cara de desafio.)

Virei a face e busquei olhar pro céu, como quem pede ajuda a Deus, mas tudo que encontrei sobre minha cabeça foi o teto. Novamente as lágrimas voltaram a umedecer meus olhos. Parecia que um turbilhão revirava-me por dentro

_Senti sua falta. (Acabei por confessar.)
_Eu também senti a sua. E você nem imagina o quanto.(Ela disse me encarando de forma sofrida. Eu senti o estômago se revirando como se dentro dele estivesse havendo uma revoada. )
_Foi você quem decidiu sumir. (Eu disse tentando ser fria, mas já ligeiramente trêmula.)
_Eu sei... (Ela disse mordendo o lábio inferior.) E sinto muito por isso.
_NÃO! Você não sente! (Me exaltei soltando uma lágrima que rapidamente fiz questão de secar.)

Peguei o Gui do colo dela e me preparei pra sair depressa dali. "Eu sou feliz" Eu tentava repetir o mantra enquanto empurrava o carrinho desviando do dela, quando ia virar pro outro corredor uma mão segurou o meu ombro me fazendo parar. Ela me abraçou pelas costas e disse no meu ouvido.

_Ter tido medo dos meus sentimentos, foi o maior erro da minha vida. Não faça a mesma coisa.

Ela me largou e eu a encarei assustada. Eu estava confusa. Anos e anos sem nem ouvir seu nome e agora tudo aquilo, do nada, vinha a tona sem piedade. Mas como? Como ela conseguiu inserir esse sentimento dentro de mim de tal forma que nem todo esse tempo era capaz de arrancá-lo? Era um turbilhão saindo como um grito, era uma explosão que eu sentia a cada batida no peito. Era como se agulhas andassem por todas as minhas veias. Eu não ia aguentar tantas borboletas passeando em meu estômago.

_Eu ainda te amo. (Soltei vomitando corações com a cara mais sofrida do mundo.) Mas não posso fazer mais nada. Não sei se ainda da tempo.

Ela me encarou chorosa. Eu a encarei talvez com a mesma expressão. O celular tocou era a Lídia. olhei pro visor e rejeitei a chamada. Olhei para a mulher a minha frente, ela pegou um papel e anotou algo em um guardanapo. Me entregou o papel e deu um tímido "tchau".

"Dizer o que a gente sente, pode doer, pode nos machucar, pode simplesmente nos fazer perder o chão e o ar. Mas nada pode nos dar mais certeza de que a gente não foi covarde e de que, fizemos o possível para fazer o certo, de que ser sincero. Ninguém é feliz se esganando com a verdade ao enganar o outro com a mentira. Se for sincero o que me disse me liga. Temos todo o tempo do mundo."

O número dela estava anotado embaixo guardei o papel um tanto incerta. Mas ao chegar em casa. Ver a Lídia  deitar e dormir e acordar ja pensando no meu mantra diário, resolvi quebrar os paradigmas.

"Eu quero ser feliz"

É o mantra que só repeti uma vez. Porque depois daquele dia, de uma despedida longa, de uma ligação sincera e de uma decisão firme, a felicidade estava tão presente em mim, que eu não precisava mais meditar por ela. Jogar tudo pro alto, as vezes é a unica saída. Expôr os sentimentos, vomitar corações... As vezes a emoção é a unica razão.