segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Eu uso o W.C.!



Oras! Estou irritada, digo mesmo, que inferno que é essa sociedade! Sobe escada de cá, corre pra lá, fica na fila aqui, corre pra não perder o horário, tudo pra conseguir arrumar uma papelada do caramba, pra poder receber outro bolo de papelada para assinar... Que desnecessário! Enfim, depois de um dia estressante enfrentando as burocracias da vida, quando eu mais queria paz, sossego e privacidade... O que eu recebo? Uma baita duma barrada!
Não, eu não fui barrada de um bar ou de uma festa. Enquanto as menininhas padrões da tv são barradas do baile, eu sou barrada do banheiro. Como se não fosse o suficiente o absurdo de eu ter eu pagar pra usar um banheiro na rodoviária, eu ainda tenho que escutar:

_Esse é o banheiro feminino.

Mas que idiota! É óbvio que é o banheiro feminino! Ela achou que eu ia querer entrar aonde? Enfim... Eu olhei para a cara da senhora que me encarava com cara de poucos amigos. Intrigantemente aquele olhar de repressão dela acabou me deixando constrangida o suficiente para o acesso de fúria que eu estava tendo se esvair para uma estúpida e ingrata vergonha. Cabisbaixa e entre os dentes soltei:

_Eu sou uma menina.

Tentei me dirigir para dentro do local, mas senti uma mão me empurrando de volta.

_Já disse que aqui é o banheiro feminino! (Ela falou arrogante.)
_Já disse que sou uma menina! (Respondi aos berros chamando a atenção de todos que estavam no local.)

Envergonhada tentei seguir em frente rumo ao banheiro, mas a infeliz continuou me importunando:

_Aqui só entram meninas normais. Isso é um lugar de família!

As meninas atrás de mim na fila gargalharam. Eu estava enfezada. A vontade de fazer xixi já nem me incomodava. Alguma das meninas que estavam rindo falou:

_Sai logo daí “gatíssima”, tem gente apertada aqui!

Revirei os olhos com o comentário idiota. O que eu iria fazer? A sociedade estava contra mim, minha aparência era contra a sociedade, minha sexualidade era contra os padrões e os padrões eram contra a minha individualidade. Liberdade de expressão: Será que realmente a temos?
Não ia deixar aquilo  daquela forma, era uma briga maior do que simplesmente segurar o mijo ou enfrentar um grupo de pessoas escrotas. Era a briga pela minha liberdade e pela liberdade de todo um grupo que passa pelas mesmas bizarrices que eu passo. Encarei a mulher que estava em minha frente, cruzei os braços e falei em alto e bom tom:

_Se eu não entro ninguém entra!

As meninas da fila começaram a murmurar entre si. Nisso saíram duas mulheres do banheiro, quero dizer, duas mulheres tentaram sair do banheiro. Segurei a roleta e falei:

_Se eu não entro ninguém entra e ninguém sai!

As moças se encararam e uma delas falou:

_Que absurdo é esse? Eu tenho que pegar um ônibus! Sai da frente!
_Absurdo é eu ter que pagar pra ir na porra do banheiro e mesmo pagando ainda ter que ouvir gracinhas dessa escrota que não quer me deixar mijar!
_Iiiii falou o macho! (Uma menina atrás de mim zoou.) Vamos logo! Eu quero usar o banheiro!
_Mas porque ela não pode usar o banheiro? (Uma das meninas que estava saindo perguntou sem entender o motivo da confusão.)
_Ela é quase um garoto! (A mulher se justificou.) Não posso deixar ela entrar, imagina as outras meninas tendo que aturar uma sapatão no banheiro!
_Que? (A outra garota que estava querendo sair perguntou incrédula.) Isso é um absurdo! Você não pode impedir ela de usar o banheiro só porque ela usa roupas mais masculinas!
_E ser lésbica não impede ninguém de usar o banheiro feminino! Isso é um puta preconceito! (A primeira menina que estava saindo falou.)
_Não vou deixar! (A senhora insistiu.) Sai da frente logo criatura! (Ela disse tentando me afastar da roleta.)
_Só saio depois de usar o banheiro!
_Aaaa quer saber? Isso é o cúmulo. (A outra menina falou empurrando a senhora para afastá-la de mim.) O que é eu pode acontecer de ruim se ela usar o banheiro? Homossexualidade não é doença e muito menos contagioso minha senhora!
_Ela vai ficar se esfregando lá dentro com mulher se eu deixar ela entrar! ( A senhora disse voltando a tentar me afastar da roleta.)
_Aaaa é disso que você tem medo é? (A primeira garota disse olhando de rabo de olho e se aproximando.) Sem problemas a gente se esfrega aqui mesmo.

Ela empurrou a velha pro lado a fazendo-a cambalear, me puxou pela gravata e me deu um beijaaaaaaasso. A velha arregalou os olhos em estado catatônico e as meninas na fila fizeram cara de nojo. Eu simplesmente correspondi o beijo rindo por dentro de toda aquela confusão que eu tinha causado.
Quando nos separamos ela me puxou para dentro do banheiro. Cochichos e murmurinhos começaram a rolar a solta. Nem me importei, usei o sanitário, lavei as mãos e quando saí ela estava me esperando junto com a amiga do lado de fora. As meninas na fila me olhavam aterrorizadas, a mulher do guichê bufava de ódio, eu saí com um sorrisinho vingativo no rosto e dei um selinho na garota que tinha me agarrado.

_Qual o seu nome? (Ela me perguntou.)
_Bruna, mas pode chamar de Xuxú (Eu respondi.)
_Eu sou a Melissa... Essa é minha amiga Catharina. O que você faz?
_Eu uso o W.C.

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