segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Esteriótipos.

Tava eu, outro dia no bar, só vi o cara chegando porque estava procurando a Raquel, que tinha ido no banheiro e demorou milênios pra voltar. O tal sujeito era alto, marombado, cabelo bem curto e de olhos castanhos claros. Olhei pra camisa do cara umas cinco vezes pra conseguir realmente acreditar no que eu estava vendo. "Orgulho Hétero" era a frase estampada no peito seguida pelo símbolo feminino e masculino enlaçados. Acendi um cigarro ainda pensando em que tipo de babaca usaria aquela blusa. ele foi se aproximando do balcão e ficou de costas pra mim. Ao ver o que tinha escrito nas costas da camisa, meu cigarro, quase que instantaneamente, caiu da boca.

"O número de heterossexuais assassinados todos os dias é muito maior que o de homossexuais."
"Não somos obrigados a participar de um mundo colorido se preferimos o preto no branco"
"Orgulho porque não temos vergonha do que somos"

Ele se virou meio brusco e me perguntou:

_O que é que você ta olhando? Tem raiva de héteros?
_Não, de forma alguma... Mas idiotas me deixam com os nervos a flor da pele, independentemente da orientação sexual.

Ele me encarou vermelho de raiva e falou:

_Qual o problema de ter orgulho de ser hétero? Fica você com seu orgulho gay que eu fico com o meu.
_O problema do orgulho hétero, não é o nome orgulho hétero, mas o nome que vocês ocultam: Orgulho homofóbico.
_E o problema dos gays é acharem que todo hétero é homofóbico!

Raquel chegou bem nesse momento com cara de reprovação.

_Amor deixa isso pra la. (Ela disse no meu ouvido)
_Ai ta vendo? Você ta ai com tua amiga sapata e eu nem quero bater em vocês!

Nós dois começamos a rir da cara do rapaz.

_E você acha mesmo que merece um troféu por não querer bater em gays? (Eu perguntei já aborrecido.) Isso deveria ser o normal, as pessoas não quererem bater em alguém por ele ser gay. Por isso existe orgulho gay, é um movimento de resistência!
_Mas orgulho hétero é a resistência hétero contra a ditadura gay! (Ele falou de forma escandalosa chamando a atenção de todos os outros do restaurante)
_Ditadura? Me diga então, quais direitos você deixou de ter por existir essa "ditadura gay"?
_Não poderei mais me expressar! Com essa nova lei que vocês querem aprovar! (Ele afirmou na defensiva.)
_É mesmo? Ou sera que tudo o que você não pode é chamar os gays de viadinho filho da puta, mandar ir chupar uma rola ou algo assim? Me diz ai o que você enquanto cidadão não pode expressar com a PLC122  aprovada?

Ele se calou bufando. Achei que ele não fosse mais responder, mas tinha que vir a cereja do bolo:

_Não poderia fazer um movimento de orgulho hétero! Enquanto vocês gays tem o orgulho gay.
_Pois é, imagina se hoje surgisse um movimento chamado "resistência branca ou masculinismo" porque os homens estão virando escravos do lar e os brancos agora são escravizados! (Raquel se meteu com impaciência.)
_Seria ótima a pluralidade de movimentos! (Ele respondeu com um sorriso.)
_Óbvio, democracia é? Que tal refundamos o partido nazista? (Eu perguntei sarcástico.)
_Aaaa... Vai tomar no cu seu viado, eu sou judeu! (Ele respondeu isso e foi embora xingando mais um monte.)
_VIVA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO! (Gritei em comemoração.)

Raquel estava em gargalhadas eu olhei pra ela e fiz o último desabafo do dia:

_Imagina a cara dele se soubesse que a gente é um casal hétero?

Metamorte

Sempre chega aquela hora triste. Aquele momento que tentamos adiar ao máximo tentando resguardar aquilo que faz de nos o que fomos, mas que já não somos. O tempo passa e o nosso antigo eu, também. Seria fácil continuar agarrado aquela velha criança que fomos, mas, já não somos puros nem castos. Somos nosso próprio fim e dia após dia nos matamos e criamos outro ser. Ser que as vezes odeia o seu antepassado. Não que eu odeie quem fui, muito pelo contrário, gosto muito de quem fui e do que fiz, mas é preciso crescer.
Crescer e esquecer daquilo que nos era antes importante, mas que agora é só mais um peso que carregamos. A vida não nos permite o excesso de bagagem quando não se tem o dinheiro. Temos que jogar fora nosso brinquedo favorito que já não temos onde enfiar em uma kit net abarrotada de livros, documentos e coisas de velhos. 
O leite com Nescau não tem mais lugar na dispensa. Já para a cachaça e o vinho barato, temos uma prateleira. Ser mais um velho ébrio num mundo de poucas crianças de espírito. É o que me resta e é o que resta aos sensatos. Felizes os insolentes, que desafiarão por mim e por você, eu e você. Eu não pude me manter do lado certo da barricada, mas sei que estou errada. 
Esse é o preço da sua opressão revolucionário, a desilusão de mais um missionário. Espero que siga contra a minha corrente de náufragos e que de vento em polpa consiga chegar a um novo mundo que não poderei descobrir.